Nesta coluna já foram abordados, em outras ocasiões1, a relevância da informação e do consentimento informado na relação médico-paciente, com o apoio de inúmeros artigos bem fundamentados de autores extremamente qualificados. Nosso objetivo é trazer, ainda que de forma breve, outras perspectivas e contribuições para enriquecer mais esse debate, abordando ao final as implicações de seu descumprimento sobre a responsabilidade civil.
O dever de informação na relação médico-paciente
A informação na área médica deve ser compreendida como o conhecimento técnico-médico, coletado e refletido de forma científica e/ou empírica pelo profissional, que deve ser transmitida de forma simples, clara e compreensível ao paciente, enquanto vulnerável na relação, para que este tenha ciência da questão de saúde que lhe aflige.
No campo da medicina, a informação é um processo contínuo que deve ser transmitida com antecedência suficiente para que o paciente possa ponderar e absorver os riscos e benefícios da intervenção em seu corpo. Apesar do direito à informação, que possui assento constitucional, não ser disciplinado expressamente no CC Brasileiro, ela se desenvolveu como um dever lateral decorrente do princípio da boa-fé objetiva, em verdadeiro processo colaborativo entre as partes2.
Isto porque, o direito à informação está diretamente relacionado com a liberdade de escolha daquele que consome, pois, “a autodeterminação do consumidor depende essencialmente da informação que lhe é transmitida, pois esse é um dos meios de formar a opinião e produzir a tomada de decisão a respeito do que é consumido”3.
Verifica-se como qualitativamente viável a informação devida ao paciente como correta, clara, precisa, ostensiva e em língua portuguesa, conforme determina o artigo 31 do CDC.
A quantidade da informação também está devidamente alinhada ao padrão de divulgação médica (medical standard of disclosure). Nesse sentido, são três os padrões adotados na jurisprudência da common law para a transmissão da informação dentro do processo comunicativo na relação médico-paciente, de forma a averiguar quando a informação é quantitativamente recomendável: a) o padrão do médico razoável (professional standard)4; b) o padrão do paciente razoável5, e; c) o padrão do paciente concreto ou subjetivo6. Neste último, se analisa o que deverá ser informado ao paciente. Em particular, dentro de suas próprias circunstâncias e condições, é considerado o modelo que melhor representa o objetivo final do consentimento informado, pois analisa o paciente dentro de suas próprias circunstâncias e condições.
Em relação ao conteúdo da informação, de acordo com o item 9.1.3 da recomendação 1 do CFM de 2016, o termo de consentimento livre e esclarecido deve prever: a) justificativa, objetivos e descrição sucinta, clara e objetiva, em linguagem acessível, do procedimento recomendado ao paciente; b) duração e descrição dos possíveis desconfortos no curso do procedimento; c) benefícios esperados, riscos, métodos alternativos e eventuais consequências da não realização do procedimento; d) cuidados que o paciente deve adotar após o procedimento; e) declaração do paciente de que está devidamente informado e esclarecido acerca do procedimento, com sua assinatura; f) declaração de que o paciente é livre para não consentir com o procedimento, sem qualquer penalização ou sem prejuízo a seu cuidado; g) declaração do médico de que explicou, de forma clara, todo o procedimento; h) nome completo do paciente e do médico, assim como, quando couber, de membros de sua equipe, seu endereço e contato telefônico, para que possa ser facilmente localizado pelo paciente; i) assinatura ou identificação por impressão datiloscópica do paciente ou de seu representante legal e assinatura do médico; j) duas vias, ficando uma com o paciente e outra arquivada no prontuário médico.
Nota-se que se trata de conteúdo direcionado aos médicos dentro do processo comunicativo que deverá, dentro do possível, obedecer a esses parâmetros, embora não haja sanções para o seu descumprimento por se tratar de recomendação expedida por seu órgão de classe.
Sobre a questão dos riscos a serem informados pelo médico ao seu paciente, a doutrina estrangeira desenvolveu a denominada teoria dos riscos significativos. Para ela há quatro pontos distintos a se verificar quando for necessária a comunicação dos riscos: (1) a necessidade terapêutica da intervenção; (2) em razão da sua frequência (estatística); (3) em razão da sua gravidade, e (4) em razão do comportamento do paciente7.
1 Para aqueles que desejam se aprofundar no tema e conhecer os trabalhos dos autores da coluna Migalhas de Responsabilidade Civil. Disponível aqui. Acesso em 02/10/24.
2 Com efeito, já se pronunciou o STJ: “Mais do que obrigação decorrente de lei, o dever de informar é uma forma de cooperação, uma necessidade social. Na atividade de fomento ao consumo e na cadeia fornecedora, o dever de informar tornou-se autêntico ônus proativo incumbido aos fornecedores (parceiros comerciais, ou não, do consumidor), pondo fim à antiga e injusta obrigação que o consumidor tinha de se acautelar (caveat emptor)” (STJ, REsp 1.364.915. Rel. Min. Humberto Martins, 2ª turma, j. 14/05/13).
3 STJ, EREsp 1.515.895, Rel. Min. Humberto Martins, Corte Especial, j. 20/09/17. O STJ também entendeu que o “direito à informação visa a assegurar ao consumidor uma escolha consciente, permitindo que suas expectativas em relação ao produto ou serviço sejam de fato atingidas, manifestando o que vem sendo denominado de consentimento informado ou vontade qualificada” (REsp 1.121.275/SP, rel. ministra Nancy Andrighi, j. em 27.03.12).
4 O modelo do padrão do médico razoável, também denominado de modelo da prática profissional ou critério da prática profissional considera suficiente a informação repassada ao paciente quando outro médico, em seu lugar, agisse da mesma forma, transmitindo as mesmas informações. Significa dizer que se houver consenso dentro da classe médica de que a quantidade, qualidade e conteúdo das informações prestadas foram satisfatórios, o médico adimpliu com a sua obrigação. A grande crítica que sempre se fez a esse modelo é que bastaria ao médico acusado de negligência apresentar outros peritos que concordassem e ratificassem o procedimento escolhido, que inviabilizaria sua condenação por negligência. Ademais, lembram Tom L. Beauchamp e James F. Childress que esse modelo subverte o direito de escolha autônoma do paciente. Isto porque ponderar sobre riscos no contexto das crenças, temores e esperanças subjetivas de uma pessoa não é habilidade profissional e a informação devida aos pacientes tem de ser libertada dos valores inerentes da medicina. BEAUCHAMP, Tom. L; CHILDRESS, James F. Princípios de ética biomédica. Tradução de Luciana Pudenzi, São Paulo: Loyola, 2002, p. 169.
5 Por sua vez, o padrão do paciente razoável (reasonable person standard ou material risk), também considerado modelo do doente médio ou da pessoa sensata, trata-se de um padrão emergente a partir de 1972, em três casos muito bem definidos pelas Cortes Norte-Americanas: Canterbury v. Spence, Cobbs v. Grant e Wilkinson v. Vesey. Referidos julgados entenderam que a pessoa razoável seria o melhor parâmetro para definir o que é devido ao paciente dentro da relação médica. Esse padrão determina o que a pessoa razoável necessita saber sobre os riscos, alternativas e consequências da intervenção. O grau de divulgação a ser determinado deve ser o materialmente adequado, ou seja, a informação deve abranger tudo o que for relevante para que o paciente possa tomar a decisão em saúde. O paciente, em vez do médico, será o julgador se a informação foi relevante. Tem-se notícias de que este é o modelo mais aceito pela jurisdição norte-americana, conquistando espaço em pelo menos vinte e três Estados daquele país. KING, Jaime Staples; MOULTON, BenjaMin. Rethinking Informed Consent: The Case for Shared Medical Decision-Making. American Journal of Law & Medicine, 32, 2006, p. 445.
6 Já no que diz respeito ao padrão do paciente concreto ou subjetivo (subjective patient standard), simplesmente denominado por alguns como modelo subjetivo ou padrão subjetivo do doente, determina que “a adequação da informação é julgada por referência às necessidades específicas da pessoa individual, mais do que da ‘pessoa sensata hipotética'” (BEAUCHAMP, Tom. L.; CHILDRESS, James F. Princípios de ética biomédica. Tradução de Luciana Pudenzi, São Paulo: Loyola, 2002, p. 171). Nesse padrão analisa-se o que deveria ser informado ao paciente em particular, dentro de suas próprias circunstâncias e condições. Conforme demonstra André Gonçalo Dias Pereira, esse critério tem por base o que o paciente concreto queria conhecer e não o que uma pessoa razoável quereria conhecer (PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 443). Da mesma forma, João Vaz Rodrigues alerta que esse modelo “permite exigir ao agente médico explicações mais exaustivas e direcionadas, por forma a garantir o direito daquele a tomar decisões que, inclusive, sejam más opções à luz dos critérios do médico e do paciente razoável (RODRIGUES, João Vaz. O consentimento informado para o ato médico no ordenamento jurídico português. Coimbra: Coimbra Editora, 2001, p. 258.). Busca-se uma informação mais individualizada possível.
7 Para maiores informações, consulte: PEREIRA, André Gonçalo Dias. O consentimento informado na relação médico-paciente. Estudo de Direito Civil. Coimbra: Coimbra Editora, 2004, p. 396 e seguintes.