A experiência na prática forense revela que muitas ações de indenização por patrimoniais ou extrapatrimoniais propostas em face de médicos e profissionais da saúde se devem não necessariamente a um erro médico (imprudência, negligência ou imperícia), mas pela inobservância de algumas cautelas necessárias no atendimento de saúde.1 No contexto da telemedicina, da telessaúde2 e da telemática em saúde3, o dever de informar ganha especial relevância.

A sociedade se encontra em constante transformação, e para que o Direito possa cumprir seu papel e regular as novas situações decorrentes dessas mudanças, é necessário que ele também se atualize. Os procedimentos mais utilizados pelas redes de Telemedicina são: Teleconsulta ou consulta em conexão direta; teleatendimento; telepatologia; telerradiologia (Resolução 2.107/14 do Conselho Federal de Medicina); telemonitoramento ou televigilância (homecare); telediagnóstico; teleconferência; telecirurgia; teleterapia; sistemas de apoio à decisão; aplicativos de atendimento para smartphones. Os procedimentos mais utilizados pelas redes de Telessaúde são: teledidática; telefonia social; comunidades; bibliotecas virtuais e videoconferências; aplicativos didáticos para smartphones; e mais recente inteligência artificial (machine learning).

Durante pandemia do COVID-19, houve um crescimento exponencial na utilização da telemedicina pela comunidade médica, possibilitando um atendimento imediato e seguro, evitando o deslocamento desnecessário do paciente até clínicas médicas e hospitais, reduzindo a sua exposição aos agentes nocivos causadores da infecção viral.

Atento a esse cenário, o CFM – Conselho Federal de Medicina editou a resolução 2.314/22, com a finalidade de definir e regulamentar a telemedicina, como forma de serviços médicos mediados por tecnologias de comunicação. Além disso, foi também promulgada a lei 14.510/22, que alterou a lei orgânica de saúde (lei 8.080/90) para autorizar e disciplinar a prática da telessaúde em todo o território nacional.

A implementação da telessaúde, por si só, se mostra como um grande desafio a ser superado. Conforme se verifica de estudo publicado no Journal of Medical Internet Research, as principais barreiras relatadas pelos pacientes são:

Conexão lenta;
Dificuldades de navegação ou instalação do sistema de consulta;
Distrações com o ambiente doméstico ou pela presença de membros da família, inclusive desencadeando preocupações com privacidade;
Dificuldades em se comunicar e se expressar.4
Em que pese o atendimento médico à distância proporcione agilidade e facilidade de acesso, as vulnerabilidades e individualidades do paciente merecem especial atenção. As relatadas dificuldades de se expressar se mostram preocupantes, na medida em que a comunicação transparente e eficaz entre médico e paciente é elemento indispensável, pois estabelece confiança no compartilhamento de informações, auxiliando sobremaneira a assertividade do diagnóstico.

Nas relações de consumo, um dos mais relevantes deveres impostos ao prestador de serviços é o dever de informação adequada e clara ao consumidor (CDC, art. 6º, III). Considerando a vulnerabilidade agravada5 do paciente diante da enfermidade que o acomete, manifestam-se também sentimentos de impaciência e ansiedade intensificados pela grande quantidade de informações inadequadas ou equivocadas compartilhadas na internet. A ausência de conhecimento técnico e o excesso de divulgação de informações imprecisas podem ocasionar ao paciente um entendimento desacertado sobre seu real estado clínico.

Nesse contexto, cabe ao profissional a adoção de medidas que tornem possível a concretização efetiva do dever de informar, de modo que estejam claros os riscos naturais do procedimento e, adicionalmente, os riscos tecnológicos inerentes ao uso da telessaúde.6 O direito de ser ouvido exsurge com força nesse contexto7 e o emprego de técnicas telemáticas, se igualmente adequada ao caso concreto, deve ser comunicada, juntamente com seus riscos, custos e eventuais benefícios para o paciente.

A informação é uma das técnicas de enfrentamento do desequilíbrio de conhecimento entre os contratantes, constituindo uma manifestação autônoma da obrigação de segurança8. A violação do direito à informação adequada e clara retira do consumidor a possibilidade de autodeterminação na sua decisão e consentimento. Com isso, se houver a exposição do paciente a um risco conhecido, mas do qual ele não foi previamente informado, tal omissão pode caracterizar um defeito do serviço.9 Isso porque o art. 14 do CDC expressamente atribui responsabilidade ao fornecedor de serviços “por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.”

Assim, para prevenir litígios, é necessária uma especial atenção ao conteúdo dos termos de consentimento informado, para que descrevam, além de riscos inerentes ao procedimento ou tratamento ministrado, possíveis riscos resultantes do uso de ferramentas tecnológicas, de acordo com o caso concreto.

As informações prestadas pelo fornecedor por qualquer meio, além de integrar o contrato (CDC, art. 30), geram uma legítima expectativa no consumidor que deverá ser atendida. Nesse cenário, propiciar uma relação, ainda que por intermédio de meios digitais, que seja acolhedora e transmita confiança ao paciente para estabelecer um diálogo aberto e franco, ainda é o melhor método para mitigar os riscos de litígios entre médicos e pacientes.

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1 DOTTI, René; BERGSTEIN, Lais. O direito de o paciente ser ouvido: a responsabilidade civil e criminal do médico. Revista de Direito do Consumidor, v. 111,  p. 75-97, Maio/Jun., 2017.

2 BRASIL. Lei nº 14.510, de 27 de dezembro de 2022, altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, para autorizar e disciplinar a prática da telessaúde em todo o território nacional, e a Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015; e revoga a Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020.

3 RIVABEM, Fernanda Schaefer. Telemática em saúde e sigilo profissional: a busca pelo equilíbrio entre privacidade e interesse social. Tese (Doutorado em Direito) – Setor de Ciências Jurídicas, Universidade Federal do Paraná. Curitiba, 2010. 241f.

4 ALMATHAMI, H. K. Y., WIN, K. T., & VLAHU-GJORGIEVSKA, E. (2020). Barriers and Facilitators That Influence Telemedicine-Based, Real-Time, Online Consultation at Patients’ Homes: Systematic Literature Review. Journal of medical Internet research, 22(2), e16407.

5 Expressão inicialmente adotada por Bruno Miragem (Curso de Direito do Consumidor. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016), para referir-se aos consumidores hipervulneráveis, que foi empregada na atualização do Código de Defesa do Consumidor pela Lei 14.181/2021. O art. 54-C, IV, do CDC confere uma proteção mais acentuada ao “consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada”. Sobre o tema, veja: Claudia Lima Marques (Estudo sobre a vulnerabilidade dos analfabetos na sociedade de consumo: o caso do crédito consignado a consumidores analfabetos. São Paulo, Revista dos Tribunais, Revista de Direito do Consumidor, v. 95, set.-out., 2014. p. 145.), Antônio Carlos Efing (Fundamentos do Direito das Relações de Consumo: Consumo e Sustentabilidade. 3. ed. rev. e atual. Curitiba: Juruá, 2011. p. 110.), Maurilio Casas Maia (O paciente hipervulnerável e o princípio da confiança informada na relação médica de consumo. Revista de Direito do Consumidor, ano 22. vol. 86, São Paulo, mar.-abr. 2013. p. 203-232), Adolfo Mamoru Nishiyama e Roberta Densa (A proteção dos consumidores hipervulneráveis: os portadores de deficiência, os idosos, as crianças e os adolescentes. Revista de Direito do Consumidor, São Paulo, v. 76, p. 13, out. 2010.), para citar apenas alguns pesquisadores.

6 Sobre o tema, veja: SCHAEFER, Fernanda; GLITZ, Frederico. Telemedicina: desafios éticos e regulatórios. 2. ed. Indaiatuba/SP: Foco. 2024. Também: LIMA, Taisa Maria Macena de; SÁ, Maria de Fátima Freire de; NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. As transformações da relação médico-paciente em razão da telemedicina. Revista dos Tribunais, v. 1033, p. 197-216, Nov. 2021, p. 197-216.

7 DOTTI, René; BERGSTEIN, Lais. O direito de o paciente ser ouvido: a responsabilidade civil e criminal do médico. Revista de Direito do Consumidor, v. 111,  p. 75-97, Maio/Jun., 2017.

8 Sobre o direito e o dever à informação, veja: KRETZMANN, Renata Pozzi. Informação nas relações de consumo: o dever de informar do fornecedor e suas repercussões jurídicas. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2019. A autora diferencia a falha da informação sobre uso (vício de informação) da falha de informação sobre riscos (defeito de informação). p. 179-208.

9 Cavalieri Filho destaca que “embora médicos e hospitais, em princípio, não respondam pelos riscos inerentes da atividade que exercem, podem eventualmente responder se deixarem de informar aos pacientes as consequências possíveis do tratamento a que serão submetidos. Só o consentimento informado pode afastar a responsabilidade médica pelos riscos inerentes à sua atividade. O ônus da prova quanto ao cumprimento do dever de informar caberá sempre ao médico ou hospital.” (CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 9. ed. São Paulo: Atlas, 2010. p. 393.

Fonte: Portal Migalhas