Depois de muito diálogo e movimentação, o setor da saúde conseguiu alguns avanços no texto final que regulamenta a reforma tributária, aprovado em 10 de julho na Câmara dos Deputados. Agora, o texto está no Senado, onde aguarda apreciação neste segundo semestre. A expectativa é que a alíquota geral seja de 26,5%.

Entre as principais mudanças estão a possibilidade de as empresas gerarem créditos com a contratação de planos de saúde e a ampliação da redução da alíquota de 60% para todos os medicamentos, com uma lista de determinados produtos com redução de 100%. Os serviços de saúde mantiveram o que haviam já conquistado no texto original, também com redução de 60% da alíquota.

No entanto, para o setor de dispositivos médicos, o cenário é um pouco diferente. Sendo uma das únicas áreas da saúde que não tiveram seus pleitos contemplados, a regulamentação da reforma tributária prevê apenas duas listas com isenção parcial de tributos ou alíquota de 100% para determinados produtos.

Isso pode impactar toda a cadeia produtiva da saúde, já que os dispositivos médicos são utilizados em procedimentos e tratamentos diversos. Em um efeito cascata, os preços podem aumentar para os fabricantes, hospitais e planos de saúde. Por isso, o setor deve continuar a mobilização junto aos senadores.

A proposta é que todo o setor de dispositivos médicos tenha a mesma redução de 60% da alíquota, assim como outros setores da saúde. Ainda, há outros pleitos da indústria farmacêutica e hospitais para aparar arestas e ter o melhor texto aprovado para a saúde, que pode impactar na ampliação de acesso da população.

“Quando você olha para a arrecadação no Brasil, a perspectiva é de 3 trilhões de reais projetados para 2024, com 10 trilhões de PIB. E o setor de dispositivos médicos representa 0,2% dessa arrecadação, é muito pouco. No limite, poderíamos estar com todos os produtos com alíquota zero que não traria nenhuma renúncia significativa para a receita”, observa Fernando Silveira Filho, presidente-executivo da Associação Brasileira da Indústria de Tecnologia para Saúde (ABIMED).

Indústria farmacêutica

No caso da indústria farmacêutica, para Nelson Mussolini, presidente executivo do Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos (Sindusfarma) o texto podia ser melhor. “Atualmente temos uma carga tributária de até 33%. Pela forma que a reforma tributária ficou na Câmara, vamos brigar para mudar no Senado. Os parlamentares entenderam que deve haver uma redução de 60% da alíquota para os medicamentos, que corresponde a cerca de 10,6%. Ainda é muito alto, o Brasil vai ser um dos 5 países do mundo com maior carga tributária em medicamentos”, afirma.

Somente uma lista com 383 itens recebeu redução de 100% da alíquota. No entanto, existem críticas sobre a forma que essa lista foi construída, nomeando cada substância ou princípio ativo que poderá ter a redução. Segundo Mussolini, o grande problema está na falta de perspectiva de atualização dessa lista, como ocorre com a isenção de PIS/Cofins hoje, gerando problemas concorrenciais e falta de isonomia tributária. O ideal para a indústria farmacêutica seria apontar classes terapêuticas.

“Agora no Senado vamos encontrar uma forma de acabar com as listas. Ou temos uma isenção geral para medicamentos ou, se tiver que ter listas, ao invés de colocar uma fórmula, por exemplo, colocar ‘produtos para tratamentos de diabetes’. Essa tese foi bem aceita pelo Ministério da Saúde”, afirma Mussolini.

O Sindusfarma já solicitou reuniões com o senador Eduardo Braga, relator da regulamentação da reforma tributária no Senado, mas como o Legislativo estava em recesso ainda não havia confirmação até o fechamento da matéria. No entanto, existe diálogo com outros senadores ligados à pauta da saúde. Para Mussolini, a sensibilidade do setor para a população será importante para ajudar a convencer os parlamentares a mudarem as regras aprovadas.

“Temos uma preocupação com a ampliação do acesso. Ao invés de o cidadão gastar 1 mil reais, mais os impostos, é melhor ele gastar o valor apenas nos medicamentos. Isso faz com que as pessoas cuidem mais da saúde e, consequentemente, aumentem a produtividade. Quanto maior a produtividade, maior a arrecadação. Logo, até por uma questão puramente financeira e de equilíbrio fiscal, medicamentos deveriam ser tributados ao mínimo possível”, defende o presidente executivo do Sindusfarma.

Hospitais e planos

Para os hospitais, a grande conquista foi ainda na etapa da aprovação da Emenda Constitucional. A redução de 60% da alíquota para os serviços de saúde era a principal bandeira da Anahp e desde a primeira versão do texto já estava contemplada. “Isso foi mantido na regulamentação aprovada pela Câmara. O principal pleito da nossa entidade já havia sido atendido. Entretanto, estamos acompanhando dois pontos complementares”, afirma Antônio Britto, diretor executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp).

Uma das preocupações dos hospitais era sobre os planos de saúde. Isso porque a regulamentação da reforma tributária prevê créditos a empresas que adquirem bens ou serviços, porém, na primeira versão, os planos haviam ficado de fora, ou seja, as empresas que contratassem planos de saúde não conseguiriam acumular créditos com este serviço. Contudo, o substitutivo aprovado pela Câmara incluiu essa possibilidade.

Procurada, a Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge) afirmou, em nota, que entende como positivo o avanço e a aprovação da proposta. “A partir da aprovação final do Projeto de Lei Complementar (PLP) a Abramge reunirá seus Grupos de Trabalho para analisar e compreender como se dará a apuração do tributo, bem como seus benefícios para o crescimento econômico e das empresas brasileiras”.

Outro tema que está sendo acompanhado pela Anahp é referente aos hospitais filantrópicos que atuam exclusivamente como o Sistema Único de Saúde (SUS). Apesar de estarem contemplados como serviços de saúde, existem alguns gaps na regulamentação que não trazem detalhes das condições para os hospitais sem fins lucrativos que atuem com a saúde pública.

“Estamos apoiando a Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) para que consigam no Senado resolver a situação. Com o nosso sistema tributário que permite que as empresas creditem os valores de impostos, não ficou claro o direito dos filantrópicos a se beneficiarem desses créditos”, explica Britto. Em nota, a CMB afirma que busca garantir a possibilidade de manutenção e aproveitamento dos créditos de CBS e IBS, nos mesmos moldes previstos para as entidades que não sejam imunes a tais tributos.

De acordo com a entidade, ela também “busca a redução em 100% da CBS e do IBS de produtos adquiridos por entidades de assistência social prestadoras de serviços de saúde, para os quais a Constituição Federal já tenha previsto essa possibilidade, em especial para alguns medicamentos e dispositivos médicos que impactam na rotina de assistência à saúde da população”.

A situação dos dispositivos médicos também acende um alerta para a Anahp. O receio da entidade é que haja um impacto no setor, caso a reforma tributária seja aprovada no Senado do jeito que está, sem a alíquota de 60% para a indústria do segmento. Isso pode ter um efeito cascata. “Estamos evidentemente desejando que o Senado consiga encontrar uma fórmula para que favoreça que o setor de saúde adquira equipamentos com a menor carga tributária possível. Hoje a tecnologia está presente em qualquer etapa da saúde e é um diferencial”, afirma Britto.

Dispositivos médicos na reforma tributária

“O setor de saúde não se saiu mal, mas dispositivos médicos não receberam o mesmo tratamento que foi dado aos medicamentos, e são duas indústrias que caminham paralelamente na saúde”, afirma Fernando Silveira Filho, da ABIMED.

O substitutivo da regulamentação da reforma tributária não contemplou o pleito do setor de dispositivos médicos. A redução de 60% da  alíquota ou isenção total está condicionada à presença das tecnologias em duas listas. No total, apenas 105 dispositivos médicos estão na lista com redução parcial, enquanto somente 17 dispositivos estão na lista com isenção completa.

“Havíamos entendido ao longo das conversas com o Grupo de Trabalho do Ministério da Fazenda, o Ministério da Saúde e a Receita que haveria um reconhecimento maior à área da saúde como um todo. No frigir dos ovos, o nosso pleito era bastante objetivo: que todos dispositivos médicos ficassem alocados na redução de 60% da alíquota, com exceção de uma lista com 100% de isenção. Mas isso acabou não ocorrendo”, defende Fernando.

O texto aprovado na Câmara prevê a revisão, a cada 120 dias, da lista de dispositivos médicos com alíquota reduzida ou isenção, ficando a cargo do Ministro de Estado da Fazenda e do Comitê Gestor do IBS, com apoio do Ministério da Saúde. No entanto, existem dúvidas sobre a viabilidade dessa revisão.

“São quase 100 mil dispositivos médicos regulamentados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e o setor tem uma transversalidade muito grande, não só no que se refere aos pacientes, mas também às próprias especialidades médicas e serviços. Teremos algum impacto maior que outros elos da cadeia, que vai acabar refletindo neles”, afirma Silveira Filho.

Por isso, o setor seguirá buscando diálogo com o Senado para defender as demandas ligadas a dispositivos médicos. Outra pauta que deve entrar na discussão é sobre especificidades que se referem a esse mercado, já que nem sempre há venda direta de produtos.

“Há equipamentos que são comodatados, por exemplo, ou ficam em estoque de hospitais, alocados para o momento que houver necessidade, mas ainda não houve o uso. Essas situações não estão contempladas de forma clara no texto. Para além das alíquotas, existem questões técnicas que precisam ser ajustadas”, afirma o presidente-executivo.

Fonte: Portal Futuro da Saúde