Na esteira da debandada de usuários do sistema suplementar de saúde — somente na Capital os planos perderam mais de 45 mil clientes entre março de 2015 e março de 2017 —, Curitiba registrou em dois anos (de junho de 2015 a junho deste ano) 215.344 novos cadastros na Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Isso significa que, nos últimos 24 meses, o sistema público de saúde da Capital recebeu uma média de 9 mil novos cadastros mensais
“Notamos que a demanda aumentou e porque muitas pessoas que tinham plano de saúde migraram por questões financeiras e procuraram o sistema público de saúde”, afirma Tânia Pires, diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde da Prefeitura de Curitiba. Mas não é somente este aspecto.
“Há muitos serviços que nós prestamos e que planos não prestam, como vacinas e pré-natal, especialmente de alto risco, que temos um fluxo muito bem organizado. Então às vezes a pessoa faz um pré-natal na rede privada e, quando percebe que é de alto risco, vem para o sistema público”, comenta a diretora.
Porém, o efeito da crise nos últimos anos é visível na debandada da população para os planos particulares. Segundo dados da Agência Nacional de Saúde (ANS), em dois anos 75.665 pessoas deixaram de ser beneficiários de planos de saúde no Paraná, um contingente equivalente à população de Cianorte, na região Noroeste do Estado. No Brasil, foi registrado um recuo de 2.531.626 usuários no período.
Somente em Curitiba, 47 mil pessoas deixaram de ser beneficiários de planos de saúde suplementar desde 2015. Ou seja, a Capital sozinha, representa mais da metade do contigente que saiu dos planos particulares no Paraná.
Segundo Cadri Massuda, presidente da regional paranaense da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge), com essa debandaba de clientes dos planos de saúde, aumenta a demanda de serviços no Sistema Único de Saúde (SUS). Com isso, haveria a necessidade de se incluir anualmente mais de 450 mil consultas, cerca de 1,1 milhão de exames e 7,6 mil internações. E isso somente no Paraná.
Sistema não tem como absorver a demanda
Ainda segundo a diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde da SMS, Tânia Pires, os principais reflexos da alta na demanda sobre o sistema público de saúde são econômicos, com a o aumento de custos no sistema, aliado ainda à sobrecarga sobre os profissionais da saúde, em especial aqueles que fazem a “linha de frente” — médicos, enfermeiros e outros profissionais que atuam nas unidades básicas de saúde da cidade.
“Custo financeiro é o primeiro impacto e temos também um pouco de sobrecarga de trabalho dentro das próprias unidades de saúde. O que notamos, e isso é no Brasil inteiro, são deficiências em diversos níveis, diversos pontos da rede de atenção estão bem sobrecarregados. Sabemos o quanto é difícil, os recursos são escassos”, afirma Tânia, revelando ainda que hoje o sistema não tem como dar conta da alta na demanda, o que impõe um grande desafio de gestão.
“Certamente não temos hoje condições plenas de absorver essa demanda. Aliás, em nenhum lugar do país tem. Então, o que temos é um incremento de esforço da gestão. Estou falado numa perspectiva de realidade, fazendo uma análise sincera, correta. Precisamos cuidar dos recursos que temos e fazer bem o papel de gestão, porque fazer gestão com muito dinheiro é tranquilo, o difícil é fazer isso com poucos recursos”, finaliza.
Pacientes da RMC também pressionam sistema
Outro aspecto levantado por Tânia Pires, diretora do Departamento de Atenção Primária à Saúde da Prefeitura de Curitiba, é a questão dos pacientes vindos da Região Metropolitana de Curitiba (RMC). Entre junho de 2014 e junho de 2015, por exemplo, a Prefeitura de Curitiba realizou um levantamento e descobriu que a Secretaria de Saúde do município gasta cerca de R$ 1,5 milhão por mês com o atendimento de pacientes da RMC.
No geral, cerca de 10% dos atendimentos realizados nas nove UPAs de capital são referentes a moradores desses municípios, principalmente Colombo, Almirante Tamandaré e Pinhais. São José dos Pinhais é outro município que vem sofrendo a sobrecarga da RMC.
“Curitiba ainda sofre com outra questão, que é o apoio de toda a área metropolitana. Muitos desses novos cadastros são da área metrolitana, pessoas que moram na RMC e trabalham na Capital”, aponta Tânia. “Mas de fato houve um aumento (na demanda sobre o sistema público) e com certeza a situação financeira do país repercute”, destaca a médica.
Pressão provoca casos de violência nas UPAs
Com a alta na demanda de serviços do SUS, que nos últimos anos já vinha sofrendo com o subfinanciamento, a falta de estrutura, a falta de pagamento dos profissionais e até a escassez de materiais básicos, os episódios de violência contra profissionais da saúde também aumentou consideravelmente nos últimos anos. Em Curitiba, como revelou reportagem do Bem Paraná publicada no final de março, casos assim já fazem parte do cotidiano de enfermeiros e médicos.
“Estamos tendo uma migração de toda uma população para o sistema público de saúde. São pessoas que perderam o convênio, o emprego, perderam o poder de compra”, afirma Maurício Marcondes Ribas, corregedor-geral do Conselho Regional de Medicina (CRM-PR).
“A população do SUS, que já é muito grande, vem então aumentando. Com isso, as filas ficam maiores e as vezes o número de profissionais habilitados não é o suficiente, o que gera uma expectativa de atendimento que não se concretiza e a partir daí surgem uma série de fatores que levam à violência”, explica o profissional.
Até maio deste ano, eram cerca de 25 casos de agressão a funcionários em postos de saúde de Curitiba. Em maio, o assunto foi debatido na Câmara de Vereadores.
Fonte: Bem Paraná